segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Chico Buarque - Cotidiano

SAMBA.



Segunda-feira, 7:30, Interpretação.


Saio da cama sem me dar o trabalho de reparar se acordei, me recordo vagamente de ter sido Dom Quixote em sonho, não sei. Chego sem contorno algum, facilmente poderiam me julgar como impressionista e todos sabem que eles julgam, se me perguntam o que penso, oras, eu não pensava nada porque ainda não sentia nada! Eu apenas existia, estava ali como uma operária de um nada. Se tiro meus sapatos é pra sentir alguma coisa, o chão, por exemplo. Naquele momento então, eu era o chão, afinal, o sentia! Chão, eu entrei no chão e me tornei chão, aquele chão de madeira da sala preta, eu fui me derretendo sendo chão pela sala, lancei-me como água em areia para todas as direções. Quando finalmente me senti sala, cheguei no desespero, havia AR ali. Agora eu já sentia o ar e novamente me transformava. O ar me invadiu com certa facilidade, senti minha respiração cada vez mais densa, preenchi sinuosamente e sem pressa aquele espaço que me faltava ser, eu era ar, mas ainda era chão, ainda era sala. Quando penso que acabariam as transformações é acionado meu terceiro nível de atenção, havia outros ali comigo.


Segunda-feira, 10:15, Expressão Corporal.


Outros, tantos outros sendo sei lá o quê, agora eu os sentia, já sabia que seria inevitável ser também. Mas acabou que 1+1 não dava dois, dava infinitamente mais, eu era ao mesmo tempo todas as partes do meu corpo, todas as partes daquela sala e todas as partes de outros que eu sentia, eu era inclusive tudo o que nascia dali, eu era o movimento, todas as raízes que criava e arrancava fluentemente. Eu brincava de me perder e encontrar nessa troca de sentidos, eu poderia ser uma expansão psicofísica constante.



BOSSA NOVA.



Segunda-feira, 13:00, Casa, enfim.


Se me afundo em qualquer música, livro, doce, poesia ou sono é porque preciso me afastar um pouco, ser tanto e tantos me traz e me leva a energia que eu nem lembrava que cabia em mim. No final das contas eu me transformo em pura bossa nova para ser paz, sorriso e calmaria. E penso se poderia só parar, talvez... Fecho os olhos e sou um compasso vazio, vácuo, eu sou minha respiração preguiçosa que vai e me leva para qualquer mundo que não seja esse, eu sou uma estrangeira que inspira e expira ares tão novos quanto essa bossa que não para, não para, por favor, não pare. Minha cabeça gira mais que baianas em festa, me jogo na grama, na cama, que me importa a fama que tiver, eu só queria ficar de ponta-cabeça.


Segunda-feira, 17:00, Aleatório.


O corpo pulsa... Espera, faz silêncio, eu quero ouvir meu corpo pulsar. Minha alma agora é do meu tamanho, considerando que sou do tamanho de tudo aquilo que fui. E me sinto livre para dizer que a parte em que ficamos cansados é quase tão boa quanto o resto, posso comparar meu corpo a uma grande toalha molhada, até sorrir se torna pesado demais, mas é inevitável. Corpo pesado, alma leve, simples assim.



ROCK N'ROLL.



Segunda-feira, 21:01, R(L)ua.


"Deus está conosco até o pescoço". A gente fala, a gente reclama, a gente cala, a gente cana, a gente para, a gente engana, a gente paga, a gente sana, a gente sente, a gente fica, a gente quente, a gente fina, a gente mole, a gente afim, a gente colhe, a gente sim, a gente não, a gente fia, a gente joão, a gente maria, a gente agora, a gente amanhã, a gente embora, a gente sã, a gente bem, a gente com, a gente sem, a gente bom, a gente lenda, a gente lindo, a gente louca, a gente vindo, a gente cai, a gente sai, a gente volta, a gente solta, a gente sempre, a gente memória, a gente sempre tem história.

E por aí vai, num sonho que eu posso ter sido Dom Quixote...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Jenny Wilson Like - A Fading Rainbow

Castigat Ridendo Mores
Eu me sentia a própria Colombina presa na eterna sina de não me encontrar num só caminho, peguei meu casaco de linho e só fiquei na praça do lado de casa, as ruas pareciam cada vez mais mortas. Me embriaguei de meu próprio veneno em bem menos do que esperava, as luas ficaram cada vez mais tortas. Eu me lembro de escrever uma carta no banco, não lembro pra quem, se ao menos foi pra alguém ou se foi pra qualquer canto...
"Um dia pensei que se meus olhos atados fossem, olhos não mais seriam. Meus olhos, meu corpo! Qual não foi meu desespero quando meu mundo inteiro se deixou encolher, eu estava agora num pequeno tensor sem vida, sem olhos, sem cor... Mas espere, foi aí que realizei vendo que mesmo com o ego fechado eu olhava ao lado e ainda podia ver! Eu ainda podia sentir! Meu corpo ainda o era e minha maior quimera era aquela prisão que eu havia criado pra mim. Porque eu havia de rir? Só sei que ria, minha boca explodia de tanto o fazer. Não pense você que de alegria! Ria da melancolia na qual tanto tempo estive, mas olha só, agora já era dia, DIA, acredite!
Preciso ir, vou cuidar da minha vida que agora sei que existe."
Eu nem cheguei a assinar a carta, mas isso faz parte do meu processo de louco-motiva que me mantém crua neste universo, na rua, nas luas ou neste mesmo verso. O inverso do que pedi, eu sei, mas nem na corrida, nem da dor boa, nem nas despedidas (mesmo que a toa) eu não a encontrei. Aquela paz que eu e todo mundo corremos atrás eu até já namorei, mas como em todo (meu) namoro em água me escorro ao chegar onde me viro, até a paz me traiu, não me culpe se me retiro. "Não é você, sou eu..." hahaha prefere culpar até a Deus do que falar de mim! Considera isso respeito, bem, eu apenas um direito de tirar meu nome de seus lábios, mas quantos pseudo-sábios não me avisaram do fim? E ela sempre me volta com outra surpresa e me promete de mãos atadas que sairei ilesa e isso não é o pior, o pior sou eu que ciente do risco me ponho em rabisco procurando ajuda! E ficando essa semana temporariamente muda, coloquei em mim o que na fala não coube, "ah Nalu, saiba morrer o que viver não soube".